Taís Araújo e Lázaro Ramos na capa da Revista Veja: Representatividade para quem?

A Veja, a revista de maior circulação nacional divulgou no dia 23/02 sua capa da edição que será distribuída na próxima semana. É uma foto do casal Lázaro Ramos e Taís Araújo. A capa é de crescer os olhos e aquecer o coração, com uma legenda que deixa qualquer preta ou preto no Brasil cheio de orgulho:


Para as negras e negros do Brasil que há muito tempo batalham por representatividade, para ver referências positivas do seu povo, esta capa tem cheiro de vitória. Nós nos sentimos imbatíveis sim! Mas, chegando mais perto o cheiro é de podre, como tudo que vem da Revista Veja. É tanta coisa horrível que a gente nem sabe por onde começa a ter raiva!

Vamos começar pelo título e subtítulo: 

Taís Araújo e Lázaro Ramos: o casal mais poderoso do showbiz
 E ainda simbolizam a vitória do talento sobre a barreira racial"

A direita no Brasil, que tem suas ideias tão bem representadas nesta revista já não pode mais negar os danos causados pelo racismo aos pretos no Brasil. Dados científicos mostram que somos os mais atingidos pela violência e pobreza. No mesmo dia em que esta capa é divulgada, também são publicizados os dados do IBGE que mostram que a crise econômica e o desemprego atingem mais pretos e em especial as mulheres. A herança da escravidão não pode mais ser negada. Ela é comprovada por dados científicos e voz do povo preto não pode mais ser calada. Temos feito muito barulho! Para além disso, hoje temos acesso a instrumentos de comunicação que ajuda a acoar nossa voz: blogs, vídeos, redes sociais, mídias independentes. O que faz então a revista Veja? Reconhece que há uma barreira racial, mas ao mesmo tempo mostra um casal que simboliza que é possível vencer a barreira racial se você tiver talento! Ou seja: esta capa é um brinde à meritocracia. 

A Veja tenta transformar um exemplo a ser seguido alguém que teve melhores oportunidades do que a maioria da população. Transformando "melhores oportunidades" em uma corrida por "quem tem mais talento" ou "trabalha mais" para vencer as barreiras do racismo. Taís Araújo, por exemplo, estudou em boas escolas, teve oportunidades diferentes da maioria dos pretos e pretas brasileiros, como ela mesmo já relatou. Sabemos que também enfrentou a barreira do racismo - porque ele não escolhe suas vítimas - mas, teve muitos outros instrumentos para enfrentá-lo. 

Se depois disso, você ainda achar que vale a pena ler a revista - o que eu não indico - você pode ver uma parte da reportagem de capa na página da Veja. No subtítulo, mais uma pérola: 

"Par simboliza um ideal de país em que qualquer pessoa pode vencer pelo trabalho e pelo talento."

Vejam só: é tudo uma questão de trabalho e talento. Essa frase simboliza tudo o que o povo preto foi ensinado neste país: "se você não vence, é apenas uma fata de esforço e talento seu". A reportagem segue o mesmo tom:



"Mas, o fato é que eles atestam quanto o país mudou nas últimas décadas: a TV e a propaganda hoje reproduzem muito mais a diversidade brasileira. Para o público em geral, eles acenam com uma espécie de seguro contra a desesperança. Como bem definiu o ensaísta Eduardo Giannetti, a ideia de que o Brasil é uma democracia racial não se sustenta na realidade crua, mas é salutar que essa utopia seja perseguida como um ideal de país. O sucesso de Lázaro e Taís nos faz vislumbrar um Brasil de que se orgulhar: um lugar onde pessoas de qualquer classe ou cor de pele possam prosperar pelo talento e trabalho."

Ou seja, a revista Veja usa como exemplo UM HOMEM E UMA MULHER NEGROS para dizer que os outros dezenas de milhares que estão sendo assassinados pela polícia ou pelo tráfico, que engrossam as fileiras de desempregados, não tiveram talento ou não trabalharam o suficiente para superarem a barreira do racismo. 

Esta revista usa um casal que hoje é símbolo de resistência e representatividade para levantar a bandeira de algo tão nocivo e destruidor para nós como a meritocracia. Acreditar que as poucas pretas e pretos que conseguem ultrapassar a discriminação racial são exemplo de que esta barreira transponível para todos é uma ilusão que só serve àqueles que não precisam se preocupar com ela e que se beneficiam dela.


Se depois de tanta sujeira você ainda não tem certeza de que nem o talento e o trabalho são capazes de superar o racismo, entre na page do Facebook da Revista Veja e leia a chuva de cometários racistas como estes:




Aos irmãos, Lázaro Ramos e Taís Araújo, meu abraço. Todo meu respeito. Quem os acompanha sabe o trabalho de vocês para que seu sucesso não alimente o discurso meritocrático. Se o interesse desta revista é causar confusão entre nós pretas e pretos, saibam que nossos olhos estão abertos.

Essa capa é um desrespeito a artistas tão maravilhosos. Mas, é um desrespeito especialmente a todas às pretas e pretos neste país que trabalharam diuturnamente para ouvirem que apenas com talento, eles podem superar a "barreira racial". É um desrespeito à ancestralidade que foi arrancada do continente africano e que, por esta lógica, não teve talento para vencer.

Revista Veja, vocês não me surpreendem. Nada que venha de vocês representa a luta do povo preto deste país. 

3 comentários:

  1. Ainda não li,mas vou ler. Mas seu texto está fantástico. Não dá para esperar nada de diferente da Veja. bjos

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  2. Ainda não li,mas vou ler. Mas seu texto está fantástico. Não dá para esperar nada de diferente da Veja. bjos

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    1. Obrigada Josi! Leia e depois volte para dizer o que achou!
      Um beijo

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