No último dia de julho, ainda estou cheia de vontade de contar histórias de centenas de mulheres, mas vou ter que concluir o #julhodaspretas. Para isso, trouxe mais uma biografia que não estava registrada na internet, como uma
homenagem àquelas que vêm sendo silenciadas, que não têm suas histórias
registradas, mas que merecem todo reconhecimento por diversas conquistas no
cotidiano. No dia 31 dos 31 dias do #jullhodaspretas, trago a biografia de Ana
Semião – conhecida como Kota Rifula (nome africano designado por sua posição no
Candomblé): mulher negra, trabalhadora, feminista, periférica e do candomblé.
A juventude física e o papo leve
não revelam que Kota Rifula é uma senhora de 75 anos. A leveza e alegria com que
ela conta suas histórias é contagiante. Seu cabelo de dreads naturais mostram que ela é uma mulher com muita propriedade de sua história e que tem muito para nos ensinar.
Kota tem uma importante atuação no
movimento de trabalhadoras domésticas e de mulheres negras nacionalmente. Nascida como Ana
Semião, em 11 de junho de 1942, em Passos, no interior de Minas Gerais, ela vem
construindo a luta pelos direitos das empregadas domésticas e das mulheres a
cerca de 30 anos em Campinas, no interior de São Paulo.
A história de Kota Rifula em
Campinas começa quando, com a morte dos pais, ela e as irmãs saem de Minas
Gerais para trabalhar em serviços domésticos. Elas vivem uma história muito parecida
àquelas de tantas outras garotas negras e que ainda se proliferam Brasil
afora: elas vêm “morar” com uma família e são responsáveis pelo cuidado com a
casa. No caso de Kota Rifula, ela tinha
apenas 10 anos de idade quando vem com uma família para São Paulo e vive como
trabalhadora doméstica até os 27 anos de idade.
Do serviço doméstico, ela sai
para o casamento. A história de seu casamento é contada de forma feliz. Ela
revela que seu marido foi um bom companheiro, bom pai e muito
trabalhador. Eles tiveram 6 filhos, apesar da morte de 3 deles. Além da morte
dos filhos, Kota Rifula teve que lidar com o assassinato do companheiro. Após
ficar viúva, ela não se casa novamente, mas, segundo ela, “namorou muito” a
vida toda. Com a viuvez, ela retoma as atividades como trabalhadora doméstica,
agora aliada à militância política.
Por influência da irmã, Regina Simião (outra importante preta que pretendo fazer a biografia), ela
se aproxima do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas, que foi o
primeiro sindicato a organizar as trabalhadoras domésticas no Brasil. Sua
intervenção em defesa das trabalhadoras domésticas é histórica. Em 1997, Kota
Rifula ajudou a fundar e foi a primeira presidente da Federação Nacional das
Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD).
Ainda na década de 1990, Kota
Rifula filia-se ao Partido dos Trabalhadores, permanecendo filiada até os dias
atuais. Ela acha fundamental organizar-se em um partido de esquerda,
principalmente quando consideramos os retrocessos do momento atual.
Além da
atuação no sindicato e partido, faz parte do FECONEZU (organização quilombola).
A participação de forma democrática de homens e mulheres, com divisão de
tarefas e a construção coletiva fazem com que o FECONEZU seja identificado por ela como sua principal atuação política.
Na década de 2000, já com mais de
60 anos, descobre o Candomblé e resolve se dedicar a ele. Sob a orientação de
Mãe Dango, Ana Simeão renasce através de sua iniciação à religião e começa a
responder por seu nome africano. Na mesma década, ela inicia sua atuação como
Promotora Legal Popular, onde se aproxima ainda mais da luta feminista. O
feminismo é um posicionamento que Kota Rifula faz questão de reafirmar como
fundamental para as mulheres negras. Ela diz ser impossível transformar a
sociedade sem o feminismo.
Antes de terminar a conversa Kota fez questão de falar do sucesso dos 3 filhos e da neta, já iniciada na religião. Duas mulheres e um homem que enchem ela de orgulho. Pra ela, eles são a prova de que as mulheres negras estão vencendo suas batalhas, afinal, há alguns anos, uma empregada doméstica não poderia sonhar em ter filhos formados em universidade pública e concursados. Kota não só sonhou como pode ver isso acontecer em sua própria casa.
Conversar com Kota Rifula é ver a
vida em movimento. Ela transmite uma confiança na mudança e no poder das
mulheres que te contagia. Ela é uma daquelas mulheres que
fazem com que tenhamos certeza de que é necessário e possível mudar o mundo. Kota
Rifula, obrigada por existir. Sua existência mostra o poder da ancestralidade!
VIVA KOTA RIFULA
VIVA AS MULHERES NEGRAS
VIVA AS MULHERES NEGRAS
Foram 31 dias de homenagens às
mulheres negras. Cada biografia resgatada foi um resgate pessoal. Conhecer a
história de vida destas mulheres foi como reconstituir minha própria história
ou da minha mãe e das minhas tias. Temos em comum histórias de solidão, fome,
violência... mas, de muito trabalho, luta e solidariedade. Atravessamos o
oceano separadas, mas estamos nos reencontrando pouco a pouco, recontando
histórias e memórias apagadas. Com a história de Kota Rifula, aproveito para
anunciar que estamos fazendo parte de um projeto maior de registro de
biografias de mulheres negras que têm construído nossa existência com luta e
resistência, mas que estão anônimas. Depois de contar tantas histórias
maravilhosas, ainda tive a oportunidade de terminar o mês nos braços de
mulheres negras no festival Latinidades. Prometo que farei um relato especial
sobre esta atividade. Mas, posso dizer que o mês de julho de 2017 foi marcante,
renovador e encorajador.
Viva as mulheres negras! Viva as mulheres negras das américas e do Caribe!
Viva as mulheres negras! Viva as mulheres negras das américas e do Caribe!
0 comentários:
Postar um comentário