CONHEÇA SAN BASÍLIO DE PALENQUE: a primeira comunidade negra livre das Américas

Quem tem a oportunidade de conhecer a Colômbia acaba se voltando para alguns dos clássicos turíticos do país. O que muita gente não sabe é que o país abriga a primeira comunidade negra livre das Américas.

O nome do lugar mágico é: San Basilio de Palenque.

Lembrando que não é Palenque de San Basilio. Os palenqueros argumentam que o povo não é do santo mas o santo é do povo.


Fui parar em San Basílio quase que por um acaso e acabei descobrindo mais uma história que honra a ancestralidade negra. 
Estava em Cartagena, fazendo o clássico roteiro para quem conhece a Colômbia: Bogotá-San Andrés-Cartagena. Ao fazer o check-in no hostel em Cartagena, conheci uma brasileira que era professora de história que me contou sobre a existência de San Basilio de Palenque. Ao saber do que se tratava, eu mudei todos os meus planos pra dedicar um dos meus três dias de Cartagena ao deslocamento e visita à San Basilio. 

Como chegar a San Basilio de Palenque

Está a 50 km de Cartagena que é capital do departamento de Bolívar, no norte da Colômbia. 
No próprio hostel consegui contratar um transporte para chegar a San Basílio. 
O motorista nos pegou às 8 da manhã e nos esperou até o fim do passeio, que foi ate o meio da tarde.
Estávamos em 4 pessoas e compensou contratar um morista particular, mas se você quiser também pode ir de ônibus.

No Terminal de ônibus de Cartagena das Indias, você pega um ônibus direto para o Palenque, mas esse ônibus não é muito frequente. Mas, você tem uma outra opção. Tome um ônibus para Mahates, Bolívar e pede para descer no Palenque. Depois de uma hora, você vai descer em um cruzamento e pegar um moto táxi que te deixa no seu destino final. Com esse transporte, você vai gastar cerca de 10.000 pesos (em 2017 equivalia a cerca de 3 dólares)

A visita a San Basílio de Palenque

Fomos recebidos por alguns guias. A economia do local gira em torno das visitas turísticas e das fotos que são tiradas ao lado das "palenqueras" que estão em todos os lugares de Cartagena. Recomendo a contratação de um guia, tanto para impulsionar a economia local, como porque uma das tradições africanas mantidas por lá é a oralidade. Os guias são decendestes diretos dos fundadores da comunidade e sabem de detalhes incríveis. 


Contratamos um guia chamado John Salgado. O cara foi super gentil e entendia muito da história do local. Super recomendo, inclusive, no fim do post, eu passo o telefone dele. Ele explica muito da história não apenas do palenque, mas também dos negros e negras foram escravizados na Colômbia. O que me fez ter certeza o quanto nós temos em comum com as pessoas negras em todo o continente.

O palenque de San Basilio foi fundado por negros e negras escravizados que fugiam principalmente deCartagena das Índias, no século XV. É importante saber que o porto de Cartagena das Indias é o segundo porto que mais recebeu pessoas negras sequestradas do continente africano para serem 
escravizadas, estando atrás apenas do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro. Ao descobrir isso, entendi muito da energia de Cartagena e de San Basilio do Palenque. 

Na praça central do Palenque há uma estátua muito grande e imponente que logo a gente entende o motivo. A estátua é de Benkos Biohó, que foi principal liderança na fundação de San Basilio do Palenque. Sua imagem é forte e tem o braço estendido em direção à África, com correntes quebradas penduradas nos pulsos.
Benkos foi sequestrado de Guiné Bissau e vendido como escravo,  mas escapou do porto de Cartagena em 1599. Com sua fuga, ele formou um exército de escravizados que fugiam e se concentraram na região em que foi fundado o palenque. Eu fiquei tao impressionada com a história de Benkos que dei esse nome a um dos meus gatinhos. 😸 

Uma das coisas que mais me chamou atenção foi saber que Benkos criou uma rede de inteligência para ajudar mais pessoas negras a fugirem. Inclusive, a história sobre mapas desenhados nas tranças nagôs foi confirmada por John. Mapas para os palenques eram traçados nas penteados nagôs de pessoas escravizadas. Centenas de escravizados fugiram para San Basílio de Palenque o que fez com que o governo de Cartagena buscasse um acordo de paz com Benkos , que foi finalmente selado em 1612. Mas, como a gente sabe que não dá pra confiar em colonizador, obviamente o acordo foi violado pelos espanhóis em 1619, quando capturaram Benkos em Cartagena e o executaram em 1621.

No entanto, a resistência continuou e em 1691, a Coroa espanhola emitiu um decreto real oficialmente libertando os africanos em San Basilio de Palenque da escravidão. Assim, eles foram os primeiros africanos livres nas Américas e fez de Palenque o primeiro território negro livre nas Américas. 

Organização social, cultura e legado 

A luta desse povo ajudou a preservar tradições culturais africanas tais como a música, práticas médicas, organização social, ritos fúnebres. 

Uma herança de ancestrais africanos é os “ma-kuagro”. Através deles, a sociedade se divide em grupos de idade através dos quais são realizadas a divisão de trabalho, a proteção do território, a conservação das tradições baseadas na honestidade, na solidariedade e no espírito coletivo.

A "junta" é também uma forma de organização utilizada em San Basilio de Palenque em que as pessoas se agrupam com um propósito concreto (por exemplo alguma doença) e depois do objetivo alcançado, a junta se desfaz. 

As tradições funerárias de influência africana de Palenque, conhecidas como lumbalu , também foram mantidas. Assim como o fato de terem uma organização "policial" própria - a Guarda Cimarrona - em que os conflitos são resolvidos a partir da intervenção do membro mais velho da família, o que reforça mais uma herança dos povos africanos. 

Em San Basilio de Palenque também foi criada uma língua crioula, o palenquero, que é uma mescla do espanhol com as línguas africanas originárias, principalmente o bantu. O palenquero é a única língua crioula de origem espanhola que existe no mundo. 

Além do idioma, no palenque se conservou a música africana e a tradicional forma de fabricação de instrumentos para interpretá-la, como tambores (os mais conhecidos são: o pechiche, o bongó, a timba, o bombo, o llamador e o alegre), a marimbula e as maracas.

Casa da música
Música negras são celebradas por lá

A champeta, que é um gênero musical foi criada em San basilio de Palenque e se tornou popular em toda a Colômbia e América Latina. Famosos praticantes do gênero como Charles King, Louis Towers e Rafael Cassiani Cassiani nasceram em Palenque, assim como os membros do popular novo grupo de rap colombiano, Kombilesa Mi. A tradição musical do lugar é celebrada anualmente no festival mais famoso de Palenque: Festival de Tambores e Expressão Cultural que é realizado todos os anos em outubro.

O Palenque é também o berço de famosos artistas e esportistas da Colômbia. O pugilista colombiano Antonio 'Kid Pambelé' Cervantes - duas vezes campeão mundial - tem uma estátua no trajeto que fazemos para conhecer o lugar. 


Não posso deixar de falar das palenqueras! São mulheres negras com vestidos super coloridos que vendem em doces de coco tradicionais, desenvolvidos ao longo de centenas de anos dentro da comunidade, balançam em suas cabeças as palanganas cheias de frutas frescas e que são personagens das fotos mais incríveis que você pode tirar em Cartagena. 


As características únicas na história do palenque fizeram com que o lugar fosse declarado pela Unesco como " Patrimônio Intangível da Humanidade" e é considerado o primeiro povo livre da América.

O que fazer em San Basilio de Palenque
  • Faça um passeio guiado - as principais histórias serão contadas por palenqueros 
  • Conheça as estátuas de Benkos Biohó e Kid Pambelé
  • Conheça a casa do maestro Rafael Cassiani - pude conhecer ele pessoalmente e ele é incrível


Maestro Rafael Cassiani
  • Beba ñeque - bebida típica do local
  • Faça fotos! A clássica foto ao lado do muro azul com a frase "I love being black" que tem nos feeds de instagramers por aí foi tirada lá. O lugar é super simples, mas você vai querer registrar tudinho. 


Fiz essa viagem em 2017. Anotei tudo que vi, mas nunca tive uma necessidade tão grande de contar como essa viagem foi incrível como estou agora. 
Se forem escolher um destino na América Latina, pensem com carinho na Colômbia. 

O querido John Salgado vai adorar receber a mensagem de quem precisar de guia! +573127192542





20 LIVROS INCRÍVEIS DE MULHERES NEGRAS PARA VOCÊ LER EM 2020



Já estamos terminando o mês de janeiro e como andam as metas para 2020?

Uma das principais metas que a gente costuma traçar é ligada ao aumento de nosso patrimônio cultural: viagens, cursos, leituras.

Para te ajudar com isso, o primeiro post de 2020 do Blog da Central das Divas traz uma lista de sugestões de literatura produzida por mulheres negras em português. São diversos gêneros e não chegam nem aos pés da vasta produção que temos disponível. O critério aqui, além da autoria de mulheres negras, foi apenas gosto pessoal. São livros que amo, já li ou que estão na minha lista para serem lidos em 2020. Não sou crítica literária, mas sou uma leitora voraz e sei o quanto os livros que li mudaram os rumos do que eu penso e faço.

São 20 obras incríveis e que muitas vezes são colocadas em segundo plano diante do racismo e machismo que permeiam o mercado literário no Brasil.


1. O homem azul do deserto (Cidinha da Silva)

Esse livro de crônicas de Cidinha é o 12° de sua carreira e me faz perguntar novamente: como a Cidinha da Silva não é conhecida do grande público? Nos textos desse livro, Cidinha apresenta temas contemporâneos, acontecimentos históricos recentes (como fake news, a morte de Winnie Mandela e Mariele Franco) sem abandonar temas marcantes de sua literatura, como machismo e racismo.

Cheguei a esse livro através da resenha da Bianca Gonçalves, disponível nesse link, e não pude parar de ler o livro até acabar. 

2. Escritos de uma vida, Sueli Carneiro

Esse livro é imperdível por reunir uma série de artigos publicados pela filósofa, ativista e fundadora do Geledés — Instituto da Mulher Negra. Além do pensamento de Sueli Carneiro, o livro ainda conta com prefácio de Conceição Evaristo e apresentação de Djamila Ribeiro. Os textos publicados são fundamentais para quem  quer pensar sobre estratégias de resistência considerando a luta das mulheres negras e, portanto, o papel do feminismo negro.

É importante falar que esse livro é o primeiro de um selo editorial, organizado por Djamila Ribeiro, que leva o nome de Sueli Carneiro. Uma homenagem mais do que justa.

3. Onde estaes felicidade (Carolina Maria de Jesus)

Carolina Maria de Jesus é conhecida principalmente por Quarto de Despejo - Diário de uma favelada. A autora, descoberta por um jornalista, era moradora da antiga favela do Canindé, zona norte de São Paulo, trabalhava como catadora e registrava seu cotidiano em páginas amareladas encontradas no lixo. Mas, Carolina tem diversas outras obras publicadas, entre elas algumas póstumas, como o Onde Estaes Felicidade. 

O livro publicado pela Me Parió Revolução, em 2014, tem dois contos de Carolina Maria de Jesus e mais 5 textos que dialogam com a obra e o legado da autora. 


É uma obra "que mistura ficção, história e um toque de fantasia, onde são narrados dez contos sobre a guerreira quilombola Dandara dos Palmares, companheira de Zumbi dos Palmares". Os contos se inspiram em fatos reais da história do Brasil, misturando romance, suspense, aventura e mistério. A autora é a cearense Jarid Arraes que também já produziu “Redemoinho em dia quente“, “Um buraco com meu nome“, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis“.

As ilustrações de "As lendas de Dandara" são de Aline Valek 


5. Um defeito de cor (Ana Maria Gonçalves)

O premiado "Um defeito de cor" é um romance publicado pela primeira vez em 2006 pela mineira Ana Maria Gonçalves e é fruto de uma vasta pesquisa acerca da sociedade brasileira escravista do século XIX.

O livro é um romance que narra, de forma autobiográfica, a trajetória da personagem histórica Luísa Mahin. Através do romance podemos acompanhar a personagem desde seus 8 anos de idade, em Savalu, passando por momentos de tragédia tais como seu sequestro para ser escravizada no Brasil. 

O texto deve ser transformado em uma supersérie na televisão no ano de 2020 e é emocionante principalmente por trazer uma narrativa que ultrapassa a visão eurocêntrica de heroína que permeia toda nossa formação cultural. 

Ana Maria Gonçalves -(Foto Leo Pinheiro / Divulgação/ Revista Cult) 

Além desse livro, Ana Maria Gonçalves também publicou “Ao lado e à margem do que sentes por mim”

6. Olhos d´Água (Conceição Evaristo)

É com grande sensibilidade que Conceição Evaristo escreve os 15 contos desse livro que leva o nome de uma das histórias que o compõe. O conto Olhos d'Água é mostra um pouco do sofrimento de uma mãe negra e pobre e seus diversos sacrifícios para cuidar dos filhos. O texto é narrado por uma das sete filhas dessa mulher que relembra histórias da infância da própria mãe, mas admite que as lembranças se confundem com suas próprias vivências. A grande questão de sua filha era: “qual a cor dos olhos de minha mãe?”. 

Conceição Evaristo estreou na literatura em 1990, com textos publicados na série Cadernos Negros. Ela é mestra em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), além de militar ativamente no movimento negro. Em 2020, a autora fez uma participação especial em uma novela em que interpretava ela mesma sendo reverenciada por uma jovem negra que publicava seu primeiro livro. Duas fofinhas. 

A atriz Bruna Inocêncio e a escritora Conceição Evaristo na novela Bom Sucesso (2020) 

7. Kindred – Laços de Sangue (Octavia E. Butler)

Sim, mulheres negras também escrevem ficção científica! Octavia Estelle Butler ficou conhecida como “a grande dama da ficção científica”. Ela foi a primeira autora mulher e negra a ganhar, ainda nos anos 1970, notoriedade no gênero que até hoje é predominantemente masculino – e branco. 

Kindred é um romance publicado pela primeira vez em 1979 e já vendeu mais de meio milhões de cópias no mundo todo. Em 2017, Kindred foi publicado no Brasil e conta a história de Dana, uma jovem escritora negra que vive na Califórnia, nos anos 1970, e se vê súbita e inexplicavelmente transportada para uma fazenda escravista no sul dos Estados Unidos, pouco antes da Guerra de Secessão. Dana percebe que está na casa dos seus antepassados: Alice, uma escrava, e Rufus, o dono das terras. A atualidade dos problemas relacionados à escravidão é um dos pontos altos do livro. 

A escritora Octavia E. Butler, pioneira na ficção científica norte-americana 

8. Hibisco Roxo (Chimamanda Ngozi Adichie)

Chimamanda dispensa apresentações. Além de ter uma das palestras mais aclamadas na plataforma TED - que inclusive teve um trecho incluído na música Flawless, de Beyoncé, ela tem diversas publicações que são sucesso no mundo todo e trazem uma narrativa que nos apresenta um ponto de vista a partir da vivência de uma mulher negra africana. 

Hibisco Roxo é o livro de estreia de Chimamanda e é meu preferido. Nele, a adolescente "Kambili mostra como a religiosidade extremamente “branca” e católica de seu pai, Eugene, famoso industrial nigeriano, inferniza e destrói lentamente a vida de toda a família. Enquanto narra as aventuras e desventuras de Kambili e de sua família, o romance que mistura autobiografia e ficção, também apresenta um retrato contundente e original da Nigéria atual, traçando de forma sensível e surpreendente, um panorama social, político e religioso, mostrando os remanescentes invasivos da colonização tanto no próprio país, como, certamente, também no resto do continente."



Sejamos todos feministas tem sua edição digital distribuída gratuitamente pela editora Companhia das Letras. Você pode ler clicando aqui

9. O alegre canto da perdiz (Paulina Chiziane)

Paulina Chiziane se autodenomina uma contadora de estórias e não uma romancista, apesar de ter sido a primeira mulher moçambicana a escrever um romance: “Eu afirmo: sou contadora de estórias e não romancista. Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte”.

O alegre canto da perdiz é seu sexto livro e foi publicado em 2008. Suas obras já foram traduzidas na Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França e Itália.

Em O alegre canto da perdiz ela conta a história de Delfina, mulher africana. Através dela, podemos ver um pouco das consequências do colonialismo no continente africano que ainda é presente na vida de africanos e africanas. Percorrendo temas como maternidade, prostituição e estupro, Paulina também nos presenteia com mitos africanos de criação do mundo e do ser humano. É uma história rica que foge de tudo que a gente já conhece como literatura.

10. O ódio que você semeia (Angie Thomas)

O livro publicado em 2017 é enquadrado como literatura juvenil porque é uma narrativa em primeira pessoa da história de Starr que tem 16 anos e mora em um bairro de negros nos Estados Unidos. Apesar de ser uma narrativa dinâmica e divertida, fala de forma direta e firme sobre racismo, o que pode ser incrível tanto para jovens como para adultos que estão começando a se aproximar do debate sobre racismo. Por isso, o livro pode ser classificado como um YA (young adult)


O ódio que você semeia é o livro de estreia de Angie Thomas e foi inspirado no movimento Black Lives Matter (que denuncia a violência policial contra jovens negros nos Estados Unidos). O título em inglês, The Hate U Give, é um trecho de um rap sobre racismo (e forma o genial anagrama THUG – “bandido ”–, que infelizmente se perdeu na tradução). O livro ganhou adaptação cinematográfica em 2018.

11. Filhos de sangue e osso: O legado de Orïsha,(Tomy Adeiemi)


Filhos de Sangue e Osso é o primeiro livro da trilogia de fantasia baseada na cultura iorubá, o único publicado no Brasil até janeiro de 2020.

É um livro que também vem sendo enquadrado como YA e recebeu prêmios pelo mundo todo tendo ficado por 50 semanas entre os best sellers do New York Times.

A principal inspiração de Tomi Adeyemi foi a Nigéria, terra de seus pais. Com apenas 24 anos, a escritora cria Orïsha, um mundo imaginário governado por um rei que varre do mundo a magia, e com ela seus guardiões, os maji que seriam homens e mulheres que têm poderes compartilhados com seus deuses-irmãos: Oyá, Iemanjá, Xangô, Oxumaré, entre outros. São todos nomes de energias ancestrais que são conhecidas no Brasil como Orixás. Não por coincidência, a ideia para a trilogia surgiu depois de uma visita a Salvador!




Sendo um livro escrito por uma mulher negra, com protagonismo negro e que conversa com a religião africana, a autora traz conflitos atuais, como a briga majoritária entre os kosidán e os maji, que são basicamente as pessoas com pele mais clara, membros da realeza, e as pessoas com pele mais escura e praticantes da magia. Esse conflito principal aborda o racismo e a divisão de classes.

O Legado de Orïsha está sendo adaptado para o cinema. 


12. A TRILOGIA A TERRA PERDIDA: A Quinta Estação, O Portão do Obelisco e O Céu de Pedra (N. K. Jemisin)

A escritora negra norte americana N.K. Jemisin, através da publicação da Trilogia da Terra Perdida, se consolidou em 2019 a primeira pessoa, independente de gênero ou etnia, a conquistar o Hugo Awards (principal prêmio da literatura fantástica) três vezes seguidas, algo inédito nos mais de 60 anos do prêmio.

A trilogia se passa em um planeta fictício com apenas um grande continente, chamado Quietude. O local é alvo de erupções vulcânicas, terremotos e catástrofes tectônicas com uma frequência assustadora, tanto que toda a cultur,a da Quietude se desenvolveu em torno da sobrevivência. A construção desse mundo e a descrição desses costumes por Jemisin é de um detalhismo que remete à riqueza das sagas de autores como Frank Herbert (Duna) e J.R.R. Tolkien (O Senhor dos Anéis). A diferença é que Jemisin tende a conceder protagonismo em suas histórias a personagens dos mais variados tons de pele, orientações sexuais, idades e características, não se atendo apenas aos estereótipos que a literatura de gênero solidificou por décadas.

A grande questão da obra é: por que sempre organizamos nossas vidas de modo a oprimir uma parcela da população? "Para uma sociedade construída com base na exploração, não existe ameaça maior do que não restar mais ninguém para oprimir", ela escreve em certo ponto. A metáfora dos orogenes, como minorias étnicas, religiosas ou sexuais fica clara, mas o fato de a Quietude ser obrigada a renascer das cinzas a cada Quinta Estação cria uma relação de interdependência e desprezo mútuo interessante entre orogenes e quietos. A determinada altura da saga, o leitor começa a ter pistas a respeito de civilizações extintas de muitos anos antes, e percebe que, mesmo com um nível tecnológico maior no passado, a humanidade sempre se apoiou na opressão de seus semelhantes para prosperar.


13. A cor púrpura  (Alice Walker)

Alice Walker é autora de mais de 20 obras literárias entre romances, contos e poesias. Com A Cor Púrpura ela venceu o Prêmio Pulitzer em 1983 e o National Book Award. A obra foi inspiração para a obra-prima cinematográfica homônima dirigida por Steven Spielberg.

Cenas do filme "A cor púrpura" (1985) 

A cor púrpura retrata a dura vida de Celie, uma mulher negra no sul dos Estados Unidos da primeira metade do século XX. Pobre e praticamente analfabeta, Celie foi abusada, física e psicologicamente, desde a infância pelo padrasto e depois pelo marido. Um universo delicado, no entanto, é construído a partir das cartas que Celie escreve e das experiências de amizade e amor, sobretudo com a inesquecível Shug Avery. Apesar da dramaticidade de seu enredo, A cor púrpura se mostra muito atual e nos faz refletir sobre as relações de amor, ódio e poder, em uma sociedade ainda marcada pelas desigualdades de gêneros, etnias e classes sociais.


14. Pequeno Manual Anti Racista (Djamila Ribeiro)

Lançado em novembro de 2019 a obra trata de temas como do racismo, negritude, branquitude, violência racial, cultura, desejos e afetos. São onze capítulos em que Djamila comprova de forma sempre objetiva e direta o quão o racismo faz parte da cultura humana na atualidade. Djamila é uma filósofa brasileira que tem impactado fortemente as discussões sobre racismo e feminismo já tem 3 livros publicados.



"Mesmo que uma pessoa pudesse se afirmar como não racista (o que é difícil, ou mesmo impossível, já que se trata de uma estrutura social enraizada), isso não seria suficiente — a inação contribui para perpetuar a opressão"


15. Eu não sou uma mulher (bell hooks)


Esse é um clássico da literatura feminista mundial, de 1981, e que foi publicado em português apenas em 2019.

A partir do discurso histórico de Soujorner Truth, proferido em 1851, na Women’s Convention e que dá título ao livro, hooks discute o racismo e sexismo presentes no movimento pelos direitos civis e no feminista, desde o sufrágio até os anos 1970.

Além dessa importante obra, bell hooks publicou mais de trinta livros e numerosos artigos acadêmicos, apareceu em vários filmes e documentários, e participou de várias palestras públicas. Sua obra incide principalmente sobre a interseccionalidade de raça, capitalismo e gênero.


16. Pensamento Feminista Negro (Patricia Hill Collins)

Posso dizer que esse é um dos meus livros preferidos. É inacreditável a forma didática em que a Patricia Hill Collins consegue apresentar um panorama tão completo do feminismo negro com referências de dentro e de fora da academia. A publicação foi feita em 1990 e ainda assim é contemporâneo. Ela dialoga com as mais diversas vertentes teóricas que discutem a questão da mulher negra na sociedade. 

Pelo conteúdo e densidade dessa obra, a socióloga ficou conhecida no mundo todo, mas ela tem uma vasta produção sobre feminismo e gênero a partir da perspectiva de pessoas negras.

17. Empoderamento (Joice Berth)

Apesar de não ser um conceito novo, o termo empoderamento vem recebendo destaque nos últimos anos. Entretanto, há muita confusão em torno dele. Em um trabalho intelectual valioso, Joice Berth parte de conceitos de Paulo Freire, Vivian Baquero, Patrícia Hill Collins, bell hooks, Lélia Gonzalez, Barbara Bryant Solomon, Angela Davis, Sueli Carneiro, dentre outras, para aprofundar as reflexões sobre empoderamento.

É uma obra imprescindível principalmente pra gente evitar a banalização de um conceito fundamental na disputa dos rumos de nossa sociedade. 

18. A liberdade é uma luta constante (Angela Davis)

No livro publicado em 2018, podemos encontrar artigos, discursos e entrevistas recentes de Angela Davis realizados em diferentes países entre 2013 e 2015 e organizados pelo militante dos direitos humanos Frank Barat.

A principal contribuição dessa obra é o destaque dado por Davis à necessidade de transformação das estruturas sociais profundamente. Para tal, a autora defende a importância dos movimentos sociais de mulheres negras.

“quando as mulheres negras se movem, toda a estrutura política e social se movimenta na sociedade”

19. Memórias da plantação (Grada Kilomba)

Kilomba publicou essa obra primeiramente em inglês em 2008. Apenas em 2019 ela foi publicada no Brasil, mas dialoga muito com situações de racismo que a gente vivencia aqui também. Através de episódios do racsimo cotidiano, é que a publicação expressa a importância de combate ao racismo de uma forma interdisciplinar, que combina teoria pós-colonial, estudos da branquitude, psicanálise, estudos de gênero, feminismo negro e narrativa poética, esta é uma reflexão essencial e inovadora para as práticas descoloniais.


Grada Kilomba é uma escritora, psicóloga, teórica e artista interdisciplinar portuguesa reconhecida pelo seu trabalho que tem como foco, o exame da memória, trauma, gênero, racismo e pós-colonialismo e está traduzido em várias línguas, publicado e encenado internacionalmente.

20. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa (Michelle Alexander)

Publicada originalmente em 2010, a obra vendeu mais de 600 mil exemplares e permaneceu na lista de mais vendidos do The New York Times por mais de 150 semanas. O livro desafiou a noção de que o governo Obama assinalava o advento de uma nova era pós-racial e teve um efeito explosivo na imprensa e no debate público estadunidense, acumulando prêmios e inspirando toda uma geração de movimentos sociais antirracistas. A nova segregação ganhou o NAACP Image Award de melhor não ficção em 2011. A edição brasileira tem apresentação de Ana Luiza Pinheiro Flauzina, orelha de Alessandra Devulsky, revisão técnica e notas Silvio Luiz de Almeida. Pedro Davoglio assina a tradução. 

“O sistema de castas raciais nos EUA não foi superado, foi meramente redesenhado”, diz a jurista. Ao analisar o sistema prisional dos EUA, Alexander fornece uma das mais eloquentes exposições de como opera o racismo estrutural e institucionalizado nas sociedades ocidentais contemporâneas. Para a autora, o encarceramento em massa se organiza por meio de uma lógica abrangente e bem disfarçada de controle social racializado e funciona de maneira semelhante ao sistema ‘Jim Crow’ de segregação, abolido formalmente nos anos 1960 após o movimento por direitos civis nos Estados Unidos. Não é à toa que este país possui atualmente a maior população carcerária do mundo (com o Brasil pouco atrás, em 4º lugar, depois da China e da Rússia). 

Michelle Alexander é uma aclamada jurista na área de direitos civis, advogada e professora de direito. Nos últimos anos, Michelle Alexander ensinou em diversas universidades, incluindo a Escola de Direito de Stanford, onde foi professora associada e dirigiu as Clínicas de Direitos Civis. Em 2005, ganhou o Soros Justice Fellowship, que apoiou a escrita do livro The New Jim Crow: Mass Incarceration in the Age of Colorblindness. No mesmo ano, ela aceitou uma nomeação conjunta do Instituto Kirwan para o Estudo da Raça e Etnia e do Colégio Moritz de Direito na Ohio State University. 


BÔNUS Deus Ajude Essa Criança (Toni Morrison)

Essa é uma das minhas obras preferidas de Toni Morrisson. Através da história de Bride – nascida LuAnn Bridewell – podemos ver como o racismo atinge a subjetividade de pessoas negras. Diversos personagens narram a história em primeira pessoa, o que nos aproxima ainda mais envolvido com o livro. É impressionante como Tomi Morrison consegue delinear a personalidade de cada um de forma tão detalhista e sensível.



Esse foi o último livro publicado por Morrison em vida. A autora morreu em agosto de 2019 deixando um legado de obras premiadas como O olho mais azul (1970) Amada (1987), Jazz (1992) e Paraíso (1997). Toni Morrison ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1993. Ela foi a primeira mulher negra a receber esse prêmio da literatura.