“E eu não sou uma mulher?”: Sojourner Truth e a luta das mulheres negras contra as opressões (04/31)

É comum que mulheres negras reivindiquem um tratamento diferentes entre suas pautas e as pautas de mulheres brancas nos movimentos feministas. Apesar de parecer uma reivindicação nova, em 1851 uma mulher negra já falava sobre isso. A ex escravizada Sojourner Truth, fez um famoso discurso intitulado “E eu não sou uma mulher?” na Convenção dos Direitos das Mulheres em Ohio. No quarto dia do #julhodaspretas, vamos falar de Sojourner Truth.


Sojouner Truth nasceu na condição de escravizada em Nova Iorque, sob o nome de Isabella Van Wagenen, em 1797. Truth foi tornada livre em 1787, em função da Northwest Ordinance, que aboliu a escravidão nos Territórios do Norte dos Estados Unidos (ao norte do rio Ohio) apesar de o sistema de escravidão nos Estados Unidos, só ter sido abolida nacionalmente em 1865, após a sangrenta guerra entre os estados do Norte e do Sul, conhecida como Guerra da Secessão. Sojourner pode receber alguma escolarização pois viveu alguns anos com um família Quaker e tornou-se uma pregadora pentecostal, ativa abolicionista e defensora dos direitos das mulheres. Em 1843, mudou seu nome para Sojourner Truth (Peregrina da Verdade) e tornou-se uma importante abolicionista e defensora dos direitos das mulheres. 

Em 1851, durante a Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, Truth fez o seu discurso mais conhecido. Seu discurso é marcante tanto pelo impacto das palavras - já que ela era uma excelente oradora - como pela conjuntura em que ela proferiu as palavras. Segundo Angela Davis, em Mulheres Raça e Classe, não se sabe se Truth foi convidada para a convenção, ou se ela foi por iniciativa própria. Mas, sabe-se que a plateia era branca e com a presença de diversos homens que diziam - em uma convenção de direitos das mulheres! - que as mesmas não deveriam ter os mesmos direitos que os homens, porque seriam frágeis, intelectualmente débeis, porque Jesus foi um homem e não uma mulher e porque, por fim, a primeira mulher fora uma pecadora. Truth era a única negra a participar do evento e ela fez o que nenhuma mulher branca fez: destruiu os argumentos dos homens que estavam no local. Leia o histórico discurso.

"Muito bem crianças, onde há muita algazarra alguma coisa está fora da ordem. Eu acho que com essa mistura de negros do Sul e mulheres do Norte, todo mundo falando sobre direitos, o homem branco vai entrar na linha rapidinho.

Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? 

Eu pari reze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher?

Daí eles falam dessa coisa na cabeça; como eles chamam isso… [alguém da audiência sussurra, “intelecto”). É isso querido. O que é que isso tem a ver com os direitos das mulheres e dos negros? Se o meu copo não tem mais que um quarto, e o seu está cheio, porque você me impediria de completar a minha medida?

Daí aquele homenzinho de preto ali disse que a mulher não pode ter os mesmos direitos que o homem porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com isso.

Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de conserta-lo, colocando-o do jeito certo novamente. E agora que elas estão exigindo fazer isso, é melhor que os homens as deixem fazer o que elas querem.


Agradecida a vocês por me escutarem, e agora a velha Sojourner não tem mais nada a dizer."

Se hoje já sabemos o peso do silenciamento a que mulheres pretas são submetidas, como deve ter sido para Truth se posicionar com tanta força contra o machismo ainda no século XIX? Este discurso coloca a dimensão das especificidades das mulheres negras na luta contra as opressões. Se para as mulheres brancas a luta é contra o machismo, para as mulheres pretas lutamos ainda para sermos consideradas mulheres. Lutamos para que as opressões não apaguem nossa condição como mulher. Por isso, precisamos reverenciar a coragem de Truth. Uma mulher como ela faz com que a gente tenha em quem nos inspirar.



No vídeo abaixo, você vê Kerry Whashington lendo o discurso de Truth.


Viva Sojouner Truth!

Viva as mulheres negras!

No mês de julho vamos celebrar, conhecer, homenagear 31 mulheres no mês de julho! Sabemos que ainda é pouco, mas será um prazer rever a vida de algumas das nossas inspirações! Billie Holliday, Carolina Maria de Jesus, Elza Soares, Ella Fitzgerald, Chimamanda Ngozi Adichie, Sueli Carneiro, Taiye Selasi, Luiza Bairros... São tantas pretas maravilhosas que iremos homenagear! Não perca!!

Um comentário:

  1. O discurso é memorável; mas essa versão do discurso foi uma publicação 20 após. A versão original foi publicada por um amigo jornalista de Sojourner, que estava na plateia. Pode-se ver no lik https://chroniclingamerica.loc.gov/lccn/sn83035487/1851-06-21/ed-1/seq-4/ a versão original

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