FALA, PRETA! Day Rodrigues, potência atrás das câmeras



Setembro já começa com novos ares. 
A ideia do blog da Central das Divas sempre foi ajudar a ecoar vozes de mulheres negras pelo mundo. 
Neste mês, estreamos um formato de publicação nunca feito aqui: entrevistas. Apesar de já ter trabalhado com entrevistas na TV, nunca tive a oportunidade de publicar uma entrevista aqui no blog. São pequenas entrevistas para a gente se aproximar de mulheres pretas incríveis que vêm brilhando por aí.
É com um carinho enorme, que publico a primeira entrevista no blog com uma querida amiga: Day Rodrigues.
Aqui ela fala um pouco sobre seus trabalhos, história de vida e perspectivas. Mas, é obvio que a entrevista não dá conta de expressar a doçura misturada a força que a Day transmite.


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Day Rodrigues é natural da cidade de Santos/SP. Ela, além de  minha amiga (ISSO É IMPORTANTE :p), é cineasta, é produtora cultural, educadora e escritora e tem traçado uma trajetória que enche a gente de orgulho. Ela é licenciada em filosofia com especialização em Gestão Cultural, pelo Centro de Pesquisa e Formação do SESC, pesquisa feminismo interseccional, cultura popular e as histórias das diásporas negras. Mas, é no audiovisual que a Day tem brilhado mais.

Foto de Leandro Noronha da Fonseca

Em julho de 2017, no XXI Cine PE - Festival Audiovisual (Recife), foi premiada pelo documentário “Mulheres Negras: Projetos de Mundo” (direção de Day Rodrigues e Lucas Ogasawara), nas categorias júri popular e direção.

Hoje, a Day Rodrigues dá um passo importante em sua trajetória: estreia na GNT, o episódio "Racismo e Resistência" da série "Quebrando Tabu, dirigido por ela. No episódio ela entrevista Djamila Ribeiro, Nilma Lino Gomes, Joice Berth, Patricia Hill Collins, Suzane Pereira da Silva, Mafoane Odara e Gilberto Alexandre Sobrinho e um monte de gente porreta para falar sobre meritocracia, direitos, privilégios e outros temas tão importantes para a população negra. 

Para as pessoas negras, a estreia deste episódio é um importante marco. Em um momento de disputa de narrativas, como reflexo de disputa de poder político, econômico e ideológico, ter alguns dos nossos tratando de questões a partir do nosso lugar de falar é emancipador. 

Para deixar a gente com água na boca, dá só uma olhada no teaser do episódio que estreia hoje, dia 03 de setembro, às 23h30.

Nós mulheres negras somos levadas a duvidar do nosso potencial durante todo o tempo. Como é para você ser uma cineasta, considerando a ausência de negros, principalmente de mulheres, na área?

Day - Eu vivo constantemente o desafio e a dúvida de permanecer numa área em que os recursos ou as políticas públicas nada beneficiam as realizadoras negras. 

Primeiro, em minha geração não tivemos a oportunidade de sonhar com tal trajetória artística e profissional. 

Segundo, a estrutura para pensar num material cinematográfico, para circular em salas comerciais, na TV aberta, nos locais sem internet, não acontece normalmente. Fazemos os nossos trabalhos na maior parte do tempo, de forma independente. Isso não deixa de ter o seu valor, porém, se pensarmos na construção de imaginários, a longo prazo, as histórias são contadas por aqueles que do auge de seus privilégios se acham no direito de falar por nós, mulheres negras, nordestinos, entre muitos outros. Daí, também, a construção dos estereótipos, hisperssexualização dos nossos corpos, papéis de subserviência nas dramaturgias e ausência de intelecto, ou seja, ausência de humanidade.
Então, pesquiso, estudo e faço cinema por acreditar na importância da reconstrução da imagem e narrativas antirracistas. E por perceber assim, que a partir do audiovisual, os debates políticos em torno das questões étnico-raciais podem acelerar a auto percepção de toda uma geração. 

Como surgiu a ideia de um projeto tão sensível como o que você realizou em “Mulheres Negras: Projetos de Mundo”? 

Day - O filme "Mulheres Negras: Projetos de Mundo" foi e sempre será o meu processo de cura. Eu sou a filha mais velha de um casal de nordestinos, com algumas histórias trágicas pelas famílias. Ainda assim, vivi muito tempo em bairro de classe média de Santos, logo, só com pessoas brancas, apesar de ter estudado em escolas públicas e morar num prédio, em que a grande maioria era de filhos de portuários (trabalhadores do porto de Santos). Porém, hoje, sei que 

parte das minhas angústias em ser a filha de nordestinos é a xenofobia dos paulistas, depois, somado ao estereótipo que me implicava ser vista como mulata ou morena, destituída de uma origem positiva. 

Assim, mesmo sendo a mulher negra de pele menos preta nunca fui tratada de forma respeitosa na minha cidade, sem autoestima internalizei por muito tempo esses fetiches e pouco via perspectiva e horizonte de futuro. Daí, foi ao entrar em contato com os movimentos sociais em Salvador e também com as feministas negras, pude encontrar um campo de saberes para reconstituir quem sou eu, por uma busca também de reconhecimento coletivo. Daí, o filme... 

O que podemos esperar do episódio "Racismo e Resistência” da série “Quebrando o Tabu”, dirigido por você?

Day - O episódio que vai ar hoje, no canal GNT, chega quase dois anos depois da estreia do filme "Mulheres Negras: Projetos de Mundo", depois de percorrer diversos estados brasileiros com sua exibição. Pois, ao perceber o quanto de demanda havia, o quanto as pessoas se identificavam e reconheciam neste documentário, entendi que a minha pergunta: se já sabemos que os lugares de poder são tomados por homens, brancos, heterossexuais, cisgêneros, classe média e ricos, como pensar a partir das mulheres negras/ feministas o significado de agenciar transformação e mudança social a partir da pirâmide social? Afinal, contrariando os estereótipos e as estatísticas, as cotas raciais, a obrigatoriedade do ensino de cultura afro-brasileira e história da África nas escolas (lei 10639), a formação de mídias independentes e das redes sociais para quem está fora da grande imprensa foram fundamentais para propagarmos quem somos nós, na resistência, pela cura e afeto. 

Foto de Daisy Serena

Então, o meu trabalho frente à direção desse episódio foi de pensar como o racismo estrutura e institucionaliza as desigualdades de direito, oportunidade e fuzila sonhos. Assim, podemos esperar que as pessoas brancas precisam compreender as suas responsabilidades, frente a tal problema central da sociedade brasileira.

Day, quais seu planos como cineasta? O que você sonha fazer?

Eu desejo continuar produzindo cinema e alinhavar isso com um trabalho de formação para jovens, em audiovisual. E gostaria também de ter tempo para escrever mais...

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